Crítica: Em ‘Apocalipse nos Trópicos’, Bolsonaro vira boneco ventrículo de Silas Malafaia

Silas Malafaia discursa ao microfone ao lado de Jair Bolsonaro em cima de um trio elétrico durante manifestação, ambos vestindo camisas amarelas da seleção brasileira, com palmeiras ao fundo e pessoas filmando com celulares.

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

O documentário Apocalipse nos Trópicos, dirigido por Petra Costa, estreou nos cinemas brasileiros no dia 3 de julho de 2025 e chegou à Netflix em 14 de julho. Com foco na aliança entre religião e política, o filme expõe os bastidores da ascensão de Jair Bolsonaro, apontando o pastor Silas Malafaia como o verdadeiro mentor por trás do discurso messiânico que tomou o Planalto. A produção revela como a fé foi instrumentalizada para moldar a política nacional, transformando Bolsonaro em uma espécie de boneco ventrículo de Malafaia.

“Apocalipse” vem do grego apokálypsis, que significa revelação. O longa é dividido em capítulos que evocam livros bíblicos como Gênesis, Êxodo e Revelações, reforçando a sensação de rito político-religioso invertido. O uso dessa estrutura dramatiza a ideia de que estamos diante de uma espécie de “missa do colapso”, uma guerra espiritual travestida de política.

Com acesso exclusivo ao líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, Petra documenta o orgulho do pastor em sua influência direta sobre o ex-presidente. Em uma das falas mais marcantes, Malafaia se diz “braço direito espiritual” de Bolsonaro e assume, sem meias palavras, que o ajudou a vencer as eleições. A câmera de Petra é precisa ao capturar não só o discurso, mas os gestos calculados e o carisma teatral do pastor.

Enquanto isso, Bolsonaro aparece estático, sem voz ativa, como uma sombra política moldada pelas diretrizes do líder religioso. A estrutura do documentário evidencia esse contraste: de um lado, a retórica inflamada de Malafaia; do outro, o silêncio e a submissão do ex-presidente.


Entre o púlpito e o poder

Além disso, o documentário se destaca ao contextualizar a Teologia do Domínio – doutrina que defende o controle cristão sobre todas as esferas da sociedade. Petra traça paralelos entre o fundamentalismo religioso brasileiro e suas raízes nos Estados Unidos, mesmo com um certo uso de conceitos não consolidados por atropólogos, mostrando como esse pensamento ganhou força no Brasil desde os anos 1990 até atingir seu ápice nas eleições de 2018.

O documentário oferece imagens de bastidores, trechos de cultos e reuniões políticas, reforçando a ideia de que a religião se tornou, no governo Bolsonaro, mais que um apoio: virou o eixo central da sua atuação política.


O que falta dizer

Apesar de poderoso, o filme falha ao limitar seu foco a Malafaia, deixando de lado outras lideranças evangélicas. A ausência de contrapontos e de análises mais amplas sobre o impacto social dessa aliança enfraquece o debate público que o documentário poderia provocar. Com isso, não se aprofunda, por exemplo, na relação das redes sociais em empoderar notícias falsas durante o período eleitoral.

Além disso, a narração pessoal de Petra Costa, em primeira pessoa, por vezes revela um distanciamento desconcertante da realidade brasileira. Em certo momento, a diretora afirma: “não fazia ideia de que a religião era tão importante para tanta gente em pleno século XXI” — frase que expõe não apenas ingenuidade, mas também um desconhecimento da própria classe social. Essa perspectiva limitada enfraquece a profundidade da análise e afasta o documentário da complexidade do fenômeno que pretende provocar.

Mesmo com seus limites, Apocalipse nos Trópicos é um alerta necessário. O filme revela, com imagens fortes e depoimentos diretos, como Silas Malafaia assumiu um papel estratégico na moldagem do discurso bolsonarista, transformando fé em arma política. Bolsonaro, por sua vez, aparece como personagem secundário, moldado pela retórica e pelas ambições de seu mentor espiritual. Estratégia ou manipulação?

Veja o trailer do documentário

Autor

  • Jornalista e analista de SEO. Escreve sobre tendências e entretenimento desde 2022 com passagens por RedeTV!, Record e Portal Trend.

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