Round 6: A série onde o criador nunca quis uma continuação

Apesar do sucesso internacional, a história de um dos dramas mais famosos da Netflix tinha início, meio e fim
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Quando Round 6 estreou em setembro de 2021, a Netflix sabia que tinha algo poderoso em mãos, mas talvez nem ela estivesse preparada para o que viria a seguir. A série sul-coreana escrita e dirigida por Hwang Dong-hyuk se transformou em um fenômeno global, com mais de 1,65 bilhão de horas assistidas em seu primeiro mês. Em poucas semanas, estava nos noticiários, nas universidades, nas passarelas e nas festas à fantasia. O macacão vermelho (ou rosa) e o círculo-triângulo-quadrado já faziam parte do imaginário coletivo.

Mas o que poucos esperavam é que, apesar desse sucesso avassalador, seu criador deixaria claro — repetidamente — que nunca quis uma continuação. E, mesmo assim, a Netflix confirmou a produção de uma segunda temporada. O que aconteceu entre esse “não” e o “sim” é o que vamos analisar.

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Round 6 terceira temporada / reprodução – internet

Round 6 nasceu com começo, meio e fim..

Desde o lançamento, Hwang Dong-hyuk foi transparente: Round 6 foi concebido como uma obra fechada. Em entrevistas para Variety, The Guardian e IndieWire, o criador relatou que passou mais de dez anos tentando vender o roteiro, enfrentando recusas por seu conteúdo violento e crítico ao capitalismo. Quando finalmente ganhou vida, a intenção era clara: uma história única, sem espaço para expansão comercial.

“Eu não tinha planos para uma segunda temporada, estava exausto. Foi emocionalmente difícil escrever a primeira”, disse ele à Variety.

A postura de Hwang reflete um padrão comum na televisão sul-coreana. Diferentemente do modelo americano, que aposta em temporadas infinitas, os doramas coreanos costumam ter apenas uma temporada, com arcos narrativos fechados e poucos episódios, geralmente entre 12 e 16. É uma escolha artística e cultural que preza pela integridade da obra. Por isso, a proposta de estender Round 6 ia contra tanto sua visão criativa quanto uma tradição consolidada do audiovisual de seu país.

Além disso, para a produção da primeira temporada, o criador demorou aproximadamente 10 anos, o que fez que mais temporada em pouco tempo tornasse ainda mais trabalhoso.

A virada estratégica da Netflix

Ainda assim, em junho de 2022, a Netflix anunciou oficialmente a segunda temporada. Em um comunicado à imprensa, a empresa afirmou:

“Chegou a hora de Gi-hun iniciar um novo capítulo. Prepare-se para a volta.”

A justificativa oficial foi simples: responder ao entusiasmo do público. Mas nos bastidores, o motivo é mais profundo, e puramente estratégico. Em um mercado cada vez mais competitivo, dominado por players como Disney+, Max e Prime Video, o valor de uma IP forte como Round 6 é incalculável. Franquias geram assinaturas, produtos licenciados, spin-offs e até adaptações em outras mídias.

Para a Netflix, abandonar essa oportunidade seria um desperdício. Para Hwang, porém, significava lidar com um dilema que vai muito além do roteiro.

Round 6 terceira temporada / reprodução - internet
Round 6 terceira temporada / reprodução – internet

A crítica que virou produto

O paradoxo é desconfortável: uma série criada como crítica ao sistema capitalista, com sua lógica desumanizadora e seus jogos de sobrevivência, se torna um dos produtos mais lucrativos desse mesmo sistema.

E isso levanta uma questão central: até que ponto é possível preservar a mensagem original quando a obra passa a responder a demandas mercadológicas?

Essa não é uma discussão nova. Outros casos, como Westworld e The handmaid’s Tale, mostram que estender universos inicialmente bem definidos pode levar à repetição de fórmulas, à perda de foco narrativo e à substituição da crítica por uma estética esvaziada. A expansão nem sempre vem acompanhada de propósito.

Round 6 corre esse risco. Embora o retorno do protagonista Seong Gi-hun (Lee Jung-jae) tenha sido confirmado, os detalhes da nova temporada permaneceram em segredo até sua estreia. Agora, com os novos episódios já disponíveis na plataforma, a discussão mudou de tom, e não necessariamente para melhor.

O que esperar, e o que vimos, da nova temporada?

A segunda temporada de Round 6 já estreou na Netflix e trouxe com ela uma mistura de expectativas frustradas e discussões acaloradas. Entre críticas positivas pontuais e reações decepcionadas, o sentimento dominante entre os fãs foi de frustração.

Nós, da Update Charts, assistimos a toda a nova temporada, e podemos dizer com segurança: a série se perdeu de sua essência.

Embora ainda traga símbolos visuais marcantes, como as icônicas máscaras dos VIPs e o visual imersivo dos cenários, muitos desses elementos agora parecem vazios de significado. Um exemplo gritante é o uso das máscaras pelos patrocinadores dos jogos. Em determinado momento da temporada, as máscaras são simplesmente deixada de lado, e os personagens a tratam com indiferença, como se o anonimato, tão essencial à crítica original, já não importasse mais.

Além disso, os novos jogos apresentam regras complexas, que dificultam a compreensão do espectador. Eu mesma, em mais de uma cena, precisei voltar para tentar entender a explicação das regras, e, mesmo assim, a dinâmica dos desafios parecia confusa, desconectada da simplicidade simbólica dos jogos infantis da primeira temporada.

O maior problema, no entanto, é narrativo: a temporada termina com mais perguntas do que respostas. Muitos arcos importantes são deixados em aberto, enquanto outras pontas são encerradas de forma apressada, com explicações rasas. O tom reflexivo da primeira fase dá lugar a uma jornada que flerta mais com o suspense de ação do que com a crítica social que definiu o impacto original da série.

Round 6 terceira temporada / reprodução - internet
Round 6 terceira temporada / reprodução – internet

Entre o jogo e o sistema: o paradoxo final

Apesar das críticas, Round 6 continua sendo uma experiência visual potente, e, por isso, vale ser assistida. Mais do que apenas consumir a nova temporada, o convite é para refletir: o que acontece quando uma série que nasceu como denúncia ao sistema se transforma em mais um de seus produtos?

Talvez o maior jogo de todos não esteja na tela, mas nos bastidores da indústria que a produz.

Confira trailer da terceira temporada de Round 6

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