Eu sou comediante e assim como qualquer pessoa que enxerga seu propósito precocemente na sociedade, tive minha inspiração. E Jô era uma delas. O principal deles era a sua imperatividade artística. “Não tenho medo da morte, mas sim de ficar improdutivo.” E, de fato, não ficou. Trabalhou até o último momento, mesmo quando não precisava.
Jô veio da elite carioca. Cresceu na década de 30 e 40 no meio do Copacabana Palace e do Jockey Club, lugares frequentados apenas pelas pessoas mais ricas. Abraçou todas as oportunidades que tinha, desde fazer intercambio na Suíça até participações a peças de teatro. Jô começou na televisão como roteirista em 1956, de um programa semelhante ao que ele fez história.
Entrou para a história da televisão brasileira na Record, que era a Globo dos anos 60 em estrutura e elenco. Lá, ele fez programas como “Ceará contra 007”, novela parodiada das histórias de James Bond, e “Família Trapo”, que introduziu o formato de comédias de situação (sitcom) no Brasil. Jô, além de atuar neste último, também escrevia. Carlos Alberto de Nóbrega, seu colega de redação, contava que, devido ao sobrepeso, ele ditava num gravador as falas do seriado, por não conseguir escrever – algo impossível de ser feito se você não for brilhante.
Depois fez diversos programas na Globo, mas destaco dois aqui: “Faça Humor, Não Faça Guerra” e “Viva o Gordo”. O primeiro foi em 1971, no auge da ditadura militar, em sua abertura, questionava sobre não se ter opinião, além de adotar um modelo de humor que consumimos hoje – de esquetes e cenas feitas por poucos minutos. No segundo, Jô se aproveitava da reabertura democrática, para mostrar uma acidez política que ele sempre teve.
Jô sempre foi um homem politicamente ativo. Ele escondeu intelectuais e obras em sua casa, durante a Ditadura Militar, além de ter sido ele que avisou Gilberto Gil de que ele seria levado preso. Sempre fez questão de entrevistar presidenciáveis e juízes em investigações marcantes, como no Impeachment de Fernando Collor e da Lava-Jato. Jô entendia seu lugar de privilégio no mundo e, apesar do humor inteligentíssimo, se fazia ser compreendido.
Em 1988, Jô Soares peitou a Globo – algo que ninguém fazia. Ele queria ter um talk-show e a Globo não podia, nem queria, lhe ajudar neste desejo. Foi então que ele partiu ao SBT. Neste formato, ficou por 28 anos e inspirou diversas gerações de comediantes – incluindo quem escreve este texto. Ajudou a popularizar o Stand-up Comedy no país, com o “Humor de Caneca”, e entrevistou as mais diversas figuras.
Além de algumas marcantes e conhecidas por todos, tem algumas que destaco aqui. As entrevistas de comediantes como Leandro Hassum e Paulo Gustavo foram quase que norteadoras para novos comediantes quisessem exercer, servindo quase como um espelho. Com presidentes, como a Dilma, que lhe rendeu uma ameaça de morte. Outras com tom de denúncia, como o esquema de corrupção na cidade de Madalena revelado por Dercy Gonçalves, e com a Glória Perez, acerca da mudança de lei do réu primário, bem demonstrada no documentário da HBO Max.
Também há as históricas, com Ariano Suassuna, Mamonas Assassinas, Faustão, Hebe Camargo, Sila (ex-cangaceira de Lampião), Luis Carlos Prestes, Tata Werneck, Cazuza, Eduardo Sterblich, entre as outras mais de 14 mil entrevistas – além da sempre lembrada entrevista feita por ele com Nair Belo, Lolita Rodrigues e Hebe Camargo.
Deixo aqui uma delas, de quando já apresentava na TV Globo o “Programa do Jô”. Com Paulo Gustavo, na época, apenas um ator de teatro rodando o Brasil com “Hiperativo” e “Minha Mãe é uma Peça”. Seu brilhantismo vai fazer falta, porém a certeza do seu legado vai nos confortar sempre.